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John Fitzgerald Kennedy, uma medida

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1036 dias de poder e uma vida inacabada

1.036 dias de poder e uma vida inacabada

Mito e mística estão no DNA de John Fitzgerald Kennedy (JFK). Mas o que foram, em termos de exercício do poder, os 1.036 dias (ok, e muitas noites libidinosas) do presidente assassinado em 22 de novembro de 1963? No cinquentenário da morte, existe esta comoção, em parte fabricada pela mídia e a indústria da conspiração, mas os livros de história têm sido mais frios com JFK, o político tão cool.

Uma reportagem do New York Times salienta que nos livros escolares a estima póstuma teve um declínio acentuado e, apenas para ficar com presidentes posteriores, no ranking popular de grandeza, Kennedy está abaixo de Ronald Reagan e Bill Clinton (ironicamente, reverenciado por ambos).

Houve a grandeza na crise dos mísseis em Cuba, em 1962. Na ocasião, Kennedy foi cool.  Forçado a agir, ele evitou extremos incompatíveis como um ataque militar ou a inação. Kennedy impôs um bloqueio da ilha castrista, aliada de Moscou, manteve ao largo uma resposta militar e acertou uma acordo com Nikita Khrushchev para a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba (e mais discretamente de americanos da Turquia).

Kennedy resolveu a crise sem o inimaginável de um conflito nuclear e sem se curvar à chantagem nuclear.  Ele também mostrou pulso para retomar dos militares o controle civil na decisão sobre quando recorrer à cartada nuclear no teatro de operações. Detratores dizem que o acordo de 1962 levou ao aumento do arsenal soviético, mas, como lembra o historiador britânico Simon Schama, que tal o consolo de um mundo que não voltou a estar tão perto do apocalipse?

Em geral, Kennedy não era estadista, mas um mero político. E para a tietagem liberal, é difícil admitir a dimensão conservadora do trigésimo-quinto presidente. De forma sucinta, o cientista político Larry Sabato desmonta o mito liberal. Kennedy é associado aos direitos civis e causas progressistas devido a seus irmãos Bob e Ted (que se tornaram mais progressistas depois da tragédia de Dallas).

Martin Luther King reclamava da reticência do presidente enquanto adeptos da desobediência civil no sul do país eram vítimas do terrorismo racista. Eleito no sufoco e com roubo de votos em 1960, Kennedy precisava se precaver para garantir o voto sulista branco (que ainda era democrata e não republicano) com vistas às eleições de 1964.

Foi preciso o chefe da polícia de Birmingham, no Alabama, literalmente soltar os cachorros para Kennedy começar falar com mais vigor. Mas, as medidas históricas ficaram a cargo do sucessor Lyndon Johnson, também muito mais consequente nas reformas sociais. Johnson foi o grande sucessor de Franklin Roosevelt na engenharia do moderno Welfare State americano.

Na verdade, JFK era, na expressão de Sabato, “um cauteloso e conservador executivo-chefe”, cuidadoso com gastos e o déficit fiscal. Ele patrocinou um corte de impostos que serviu de modelo para Reagan nos anos 80. Seu secretário do Tesouro era Douglas Dillon, banqueiro republicano de Wall Street. Isto, porém, não impediu que ele agisse contra práticas injustas da indústria siderúrgica.

Mesma coisa na geopolítica. Kennedy era o establishment na Guerra Fria, convictamente anticomunista e disposto a enfrentar a ameaça soviética, mas sem loucuras, como no caso da crise dos mísseis em Cuba. Há muita especulação de que com a reeleição em 1964, Kennedy iria se desengajar do Vietnã. Não sabemos, mas não dá para acreditar que com ele haveria a escalada empreendida por Johnson, que despachou 535 mil soldados para o sudeste asiático.

Primeiro presidente americano nascido no século 20 e produzido para a idade da televisão, Kennedy era um exercício de energia e otimismo, além de investido de simbologias como a tocha nas mãos de uma nova geração, mas era um cauteloso incrementalista. Há dez anos, Robert Dallek escreveu uma biografia de referência, Uma Vida Inacabada,  porém, nos 1.063 dias de poder, JFK foi o que foi. O resto é história, mito e mistica.

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Colher de chá para Censi (dia 22, 15:36) e The American Conservative por trazer um contraponto ao tema da coluna (dia 22, 15:49).


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